Nós nos apertamos muito na vida, às vezes durante longos trechos do caminho, às vezes durante o caminho todo, porque queremos ser amados. Esticamos a corda, fazemos escolhas equivocadas, abrimos brecha para as doenças, mentimos para nós mesmos, mentimos para os outros, criamos as mais estranhas confusões, porque queremos ser amados. Passamos ao largo dos sentimentos mais viçosos, das verdades mais intensas, das belezas mais risonhas, porque queremos ser amados. Erguemos muros altíssimos, amordaçamos as nossas sementes, engaiolamos os nossos pássaros, tentamos conter os nossos rios, porque queremos ser amados.
Ai, porque queremos ser amados, por mais estranho que pareça, às vezes fechamos o coração ou abrimos só um pedacinho dele e, ainda assim, lá na porta dos fundos. Sustentamos enganos, vestimos roupas que não nos servem, fazemos pactos com a escassez, ignoramos prazeres, aguentamos privações, porque queremos ser amados. Mantemos a ilusão de que alguém ou alguma coisa trará, enfim, a chave que abre o nosso coração, e, enquanto o tal amor não aparece, morremos por falta de alegria, um pouquinho a cada instante, porque queremos ser amados. Apagamos luzes, em vez de acende-las. Soterramos sonhos, em vez de cultivá-los. Desenhamos uma história que nada tem a ver com a gente. Deixamos crescer a erva daninha até o ponto em que ela oculta as flores mais lindas e mais nossas, porque queremos ser amados.
Até que num belo momento, depois de muito cansaço, depois de muito doer, depois de muita neblina, depois de muita busca, sobretudo, a gente descobre, contente que nem criança diante de novidade, onde o amor estava o tempo todo. Onde estava a chave. Onde estava o alimento. Maravilhados, começamos a cuidar de nós mesmos. Começamos a dedicar carinho e delicadeza a nós mesmos, esses que pensávamos que podiam vir somente dos outros. Começamos a ser a mãe e o pai de nós mesmos, e também os filhos, os enamorados. Descobrimos que o interruptor que faz a vida acender esteve o tempo inteiro no nosso próprio coração.
Começamos a caminhar a partir da fonte inesgotável de amor que já nos habita. Que é a nossa essência. Que independe de intermediários, que são preciosos, sim, mas para enriquecer a nossa passagem pelo mundo. Para trocarmos aprendizado e entusiasmo. Para brincarmos juntos. Para partilharmos encantos. Para partilharmos também as dores que, invariavelmente, nos visitam. Começamos a caminhar, enfim, a partir do amor que é essa matéria-prima disponível em nós, que permeia tudo o que podemos criar, agora, com a nossa existência. Começamos a querer somar com a nossa contribuição, seja lá qual for, porque quando a gente começa a se amar começa também a sentir que dar é o primeiro jeito de recebimento. A vontade de fazer o amor circular é tão genuína, é tão natural, que a gente quer molhar a vida inteira nesse oceano amoroso, sabedores de que somos parte dele.
Continuamos a querer ser amados, é claro. Amados com o charme que flui, com o olhar que abençoa, com a atenção que nós da beleza. Mas o amor que vem dos outros não é mais salvação, a única chance de felicidade, o tapa-buracos, o paliativo para a carência que o afastamento de nós mesmos nos provoca. Não é mais remédio, fórmula, chá milagroso ou coisa que o valha. É, antes de tudo, um espelho que reflete a nossa própria capacidade de viver um amor que ri. Um amor que canta. Um amor que é gentil. Um amor que é paciente. Um amor que cuida, porque o cuidado é da natureza dele. Um amor que é grande e que abraça com calor e sem pressa. Um amor que, generoso, nos respeita e nos acolhe, com tranquilidade, do jeitinho que a gente é. Um amor que vale a pena. Com cor, com alegria, às vezes com tristeza e dificuldade também. Mas, principalmente, um amor que não sabe o que é esforço.
Amor cria espaço e beleza, é só a gente olhar para o universo. Quem entende bem dessa história de aperto é o medo, esse nosso coração e amor sabotador.
domingo, 3 de abril de 2011
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